MINHAS (QUASE) “FÉRIAS NA PRISÃO”

MINHAS (QUASE) “FÉRIAS NA PRISÃO”

Imagine-se na seguinte situação: você está atravessando a fronteira Peru/Brasil, por estrada. O agente da fronteira pede para abrir sua bagagem para inspeção e você se disponibiliza a abrir de imediato, afinal, não tem nada de errado mesmo. O agente mal olha o interior e já coloca a mão no coldre da arma. E agora?

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O COMEÇO DO FIM

Em 2012 fui conhecer Machu Picchu, viajando por estrada e saindo de Rio Branco, no Acre. Um trajeto bem mais econômico para quem mora aqui na região Norte. A estrada também é um show à parte e se você quiser saber como ir à Cusco e Machu Picchu por estrada, clica aqui.

Como é o tipo de viagem que se caminha bastante, resolvi levar talco para os pés e comprei de uma marca conhecida. Praticamente o produto saiu da drogaria direto para a bagagem.

Na ida, depois de horas de avião, táxi e van, chegamos de noite à Puerto Maldonado, na Amazônia Peruana e fizemos o pernoite por lá. Quando abri a mala, de cara percebi que a tampa do talco abriu, vazou e se espalhou pela mala toda. Bati as roupas e passei uma  toalha umedecida na mala para tirar o excesso do talco. Coloquei a embalagem do talco numa sacola plástica, dei um nó e problema resolvido!

A viagem  seguiu normalmente. Hora de voltar!

Amanheceu 09 de setembro daquele 2012 e saímos de Puerto Maldonado por estrada até cidade de Iñapari, fronteira com o Brasil. Para esse trajeto contratamos um taxista para nos levar direto, sem paradas, sem perder tempo.

Depois de duas horas tranquilas, chegamos na fronteira e paramos no posto fronteiriço. Descemos do táxi e fomos pegar o carimbo de saída do Peru na sala da imigração daquele país.

à direita: posto de fronteira, sentido Peru | à esquerda: barreira do posto de fronteira, sentido Brasil e onde ocorreu o fato

Saímos do posto da migração peruana e de longe dava para perceber que o bendito taxista estava estava sendo abordado por um agente de fronteira, oficial, equivalente à um policial federal.

Quando nos aproximamos, o taxista foi logo nos apontando o dedo e falando para o oficial: “aí estão eles!

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O oficial nem deu bom dia, já foi logo pedindo os passaportes que claro, apresentamos na hora. Ele analisou os documentos, nos devolveu e a fazer as perguntas de praxe:

  • de onde vocês são?
  • por qual motivo vocês estão no país?
  • vocês têm bagagens?
  • o que vocês estão levando nas bagagens?

Imediatamente pediu para ver as nossas bagagens, só as bagagens, não quis nem olhar as mochilas. O taxista abriu rapidinho o porta-malas do carro para a revista.

O oficial perguntou de quem era cada bagagem, olhou, apalpou superficialmente as duas e o instinto dele foi com força na minha. Ele pediu para abrir a mala e para revistar dentro.

Na hora eu deixei escapar minha cara de decepção, não pela revista em si, mas foi pelo trabalho de conseguir fazer tudo caber na mala. Era pequena e fiz caber tudo, até cerveja.

Só que quem trabalha com isso, é treinado para perceber essas nuances de nervosismo, desconforto e etc, “o corpo fala” afinal. Então imagino o que o oficial deve ter pensado.

Bagagem aberta, me afastei e deixei clara a autorização para o policial fazer a revista. Quando voltei a olhar para a mala, notei que a borda ainda estava suja de talco, ou seja, de um PÓ BRANCO! PÓ BRANCO!!!! Pó branco em uma mala na fronteira do Peru!

Infelizmente foi também a primeira coisa que o policial federal notou.

…e foi aí que o barraco…

Enquanto o oficial olhava para aquele pó e já colocava uma das mãos no coldre, o taxista, coitado, ia se afastando de passinho em passinho, mais nervoso ainda!

Na minha cabeça, por uma fração de segundos, passou coisas como:

  • Até conseguir provar que talco não é droga já terei perdido meses numa cela do interior do interior do Peru;
  • Vou acabar num episódio de férias na prisão;
  • Vou aparecer em tudo que é jornal como traficante;
  • Como arrumo advogado na fronteira do Peru?

O policial então se virou e notei a expressão dele que, se antes já bem era séria, ficou pior ainda. E ele não precisou falar nada, pelo gesto eu sabia que ele tava querendo perguntar: “que porra é essa?

eso es basura!” (isso é sujeira) disse, num tiro, para não gaguejar e tentando demonstrar calma, mas também falei totalmente sem pensar. Afinal, sujeira branca? O caso é que eu não lembrava como falar talco em espanhol.

O policial, obviamente não acreditou em mim e continuou a inspeção:

  • Ele passou o dedo na borda da mala até que a ponta de seu dedo indicador direito ficasse todo coberto do pó branco;
  • Em seguida levou o dedo a um palmo de seu rosto bem à altura dos olhos;
  • Ficou rotacionando seu dedo de um lado para outro, examinando, analisando;
  • Levou o dedo em direção ao seu nariz para tentar sentir algum odor característico;
  • Baixou mais um pouco o dedo parando-o a cerca de um centímetro de distância da boca.

Nessa hora eu percebi que ele ia provar o talco e para evitar de fazer o homem comer talco, falei: “eso es polvo de pies” [isso é pó de pés]. É, eu falei pó mesmo, pois na hora eu não conseguia lembrar que talco em espanhol era, adivinha só: TALCO!

Não estava mesmo acreditando na situação, queria rir, mas mantive a cara de paisagem.

Mesmo depois do meu alerta, o oficial fez de conta que não ouviu, abriu a boca, colocou a ponta da língua para fora e passou o dedo cheio de tênis pé na língua.

O policial começou a degustar o talco e não demorou muito para que ele fizesse aquela cara de criança provando limão pela primeira vez.

Eu repeti que era uma “pó de pés” e que a garrafa se abriu na outra viagem.

Pedi licença e fui buscar o bendito talco na minha mochila, que estava dentro de um saco plástico, justamente para evitar outro vazamento na mala e adivinhem, já havia vazado de novo, porém dentro da sacola. Mas não achei ruim, afinal, dessa vez serviu para reforçar o meu “depoimento”.

Foi a salvação!

O oficial pegou o talco, sentiu o cheiro, passou o dedo no pó e repetiu todo o procedimento de novo. Ao fim devolveu o saco com o talco e se voltou de novo para a mala, apalpou, virou, revirou, viu as cervejas, os chaveiros, os magnéticos, pediu pra fechar a mala e deu o OK para seguirmos viagem.

Nessa hora o taxista chegou pertinho para fechar o porta-malas e tava todo sorridente, nem parecia que tava quase fugindo com medo não fazia um minuto.

E tinha de tirar foto depois. E esse produto até hoje continua com essa tampa mal feita e mal acabada.

 

Agradeci, e seguimos a viagem muito, mas muito aliviado. Mas não tão tranquilamente, pois fomos parados de novo, dessa vez já no Brasil pela PRF e por desatenção ao fuso e mais essas paradas inesperadas, quase perdemos o voo em Rio Branco.

 

Nota: Friso aqui a importância do trabalho desses oficiais de fronteira e, no caso específico, o oficial agiu sempre de forma respeitosa e fez seu dever de forma correta. Em nenhum momento me senti acuado, ameaçado ou constrangido. É claro, sentimos o receio, o medo natural, afinal trata-se de uma das principais rotas do tráfico de drogas e nada assegurava que, porquanto estivemos ausente do carro, nada fosse “plantado” por terceiros nas bagagens. Ao oficial, ele tanto poderia desconfiar que estávamos saindo com drogas, quanto que já havíamos levado drogas anteriormente na bagagem. Normal, faz parte do treinamento dele.

Em situações assim, basta manter a calma, o respeito e evitar qualquer situação que o oficial ou agente de fronteira possa vir a sentir-se em risco, afinal o ato, naquele momento, se tratava de segurança nacional.

E você? Já passou por algum perrengue parecido?

Boa viagem!


 

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